Intimação em casos de deferimento de medidas protetivas de urgências

Recentemente, atuando em defesa de uma vítima de violência doméstica, me deparei com a seguinte situação: um caso envolvendo medidas protetivas de urgência que foram deferidas em menos de 24 horas e que, entretanto, levaram mais de quatro semanas para chegarem ao conhecimento do requerido.

Quando o caso migrou para o meu escritório, o pedido já havia sido pleiteado pela Defensoria Pública que, na inicial, indicou todos os dados qualificativos — tanto da vítima quanto do requerido; em virtude de um feriado no meio da semana e a redistribuição dos autos para outro fórum, a expedição de mandado de intimação para as partes somente se deu após mais de uma semana do deferimento das medidas.

Naquele momento, a vítima já se encontrava fora da residência — com temor de ali retornar e se encontrar com o requerido — e para tanto, me contratou para fazer com que essas medidas se tornassem eficazes o quanto antes.

Pois bem. A decisão que ratificou o deferimento das medidas protetivas — procedimento comum, visto a redistribuição dos autos — determinou que a intimação do requerido se desse, pessoalmente, no antigo endereço do casal, em 48 horas, ainda que fosse cumprida no regime de plantão.

Passado um mês, tanto a vítima quanto o requerido ainda não haviam sido intimados; pasmem que, mesmo com a decisão determinando a recondução da vítima para sua residência, haja vista que fora aplicada a medida disposta no artigo 22, inciso II, da Lei nº 11.340/06 — afastamento do lar — a mulher ainda estava fora de casa, arcando com os custos do aluguel de outro imóvel.

A intimação do requerido é um pressuposto para que se faça valer a decisão judicial, uma vez que maiores restrições ao seu direito ou mesmo a decretação de prisão preventiva em caso de descumprimento, exigem a prévia ciência do indivíduo; aliás, recentes decisões [1] do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não hesitam em reconhecer a existência da materialidade do delito previsto no artigo 24-A da Lei Maria da Penha após a constatação da certidão de intimação do requerido.

Por outro lado, também encontramos decisão [2] em que, ante a ausência de certidão de intimação do requerido — obviamente que somada às circunstâncias concretas do caso — não se reconhece a prática do delito de descumprimento de medidas protetivas de urgência, pois não restou suficientemente demonstrado o prévio conhecimento do requerido a respeito das medidas cautelares impostas.

A Resolução nº 346/2020 do CNJ, em seu artigo 1º, caput, assim dispõe:

“Artigo 1º Os mandados referentes a medidas protetivas de urgência, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, deverão ser expedidos e atribuídos ao oficial de justiça imediatamente após a prolação da decisão que as decretarem, e cumpridos no prazo máximo de 48 horas, a contar da respectiva carga ao oficial de justiça”.

Voltando ao caso concreto, até vimos que a determinação judicial foi nesse sentido; contudo, a prática se mostrou absolutamente diferente. E o que fazer diante dessas situações?

Diversamente de uma situação em que o requerido está se ocultando do oficial de justiça, quando há quem sustente a possibilidade da intimação ficta [3] — o que não discordo, apenas entendo que é algo contraproducente no sentido de que levará mais tempo para que as medidas protetivas se tornem, de fato, efetivas — no meu caso estamos falando da ausência de cumprimento da intimação no prazo estipulado.

Apesar de não ter sido a solução adotada nesse caso, questiono a possibilidade da vítima, por meio de seus advogados constituídos, enviar uma notificação extrajudicial para o requerido, informando a respeito do deferimento das medidas protetivas de urgência. Seria essa uma medida válida?

Penso que sim, pois se a exigência é de que o requerido tenha prévio conhecimento das medidas protetivas de urgência desferidas em seu desfavor, uma vez cientificado a respeito dessas — ainda que de forma extrajudicial comprovado por meio do aviso de recebimento, por exemplo — a sua validade deve ser aceita.

Inclusive, já acompanhei um caso em que o indivíduo fora preso em flagrante delito pelo crime do artigo 24-A da Lei Maria da Penha mesmo que não constasse a sua intimação por meios oficiais nos autos da medida protetiva. Isto ocorreu, pois, ao ser levado perante à Autoridade Policial, o suspeito confirmou que já tinha conhecimento a respeito de tais medidas.

Assim, se por um lado, a notificação extrajudicial — devidamente assinada pelo requerido — pode trazer celeridade para a efetividade da decisão judicial, por outro lado, não posso deixar de pontuar alguns dos percalços que a adoção de referida medida enfrentará: 1) sabemos que mulheres que não possuem condições de contratarem advogados dependerão da intimação oficial; 2) a contratação de advogados para suprir a morosidade do Poder Judiciário deve ser vista como uma carga adicional a ser suportada, infelizmente, pela vítima; 3) questionamentos acerca da autenticidade da assinatura constante no referido documento extrajudicial; 4) dúvidas sobre como lidar em casos de afastamento do lar — a Polícia Militar poderá fazer a retirada e recondução da vítima apenas com a demonstração de ciência constante na notificação extrajudicial?

A conclusão que chego é que ainda temos muito a refletir e aprimorar no que diz respeito à proteção da mulher; mas, uma coisa é certa: é cansativo responder para as minhas pares que “infelizmente, não há mais nada ao meu alcance e agora dependemos do ritmo do Poder Judiciário”.


[1] À título exemplificativo, citamos: Apelação Criminal 1500245-23.2020.8.26.0264; Apelação Criminal 1500903-79.2021.8.26.0630; Apelação Criminal 1501311-06.2021.8.26.0619; Apelação Criminal 1504011-74.2019.8.26.0408; Apelação Criminal 1500223-19.2021.8.26.0558; Apelação Criminal 0011325-27.2021.8.26.0554.

[2] Veja a Apelação Criminal 1502220-28.2019.8.26.0616.

[3] Vide artigo publicado no Conjur: https://www.conjur.com.br/2022-jan-28/questao-genero-descumprimento-medidas-protetivas-quando-intima-edital. Acesso em 13 de maio de 2022.

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